Amar é revolucionário

No livro “Tudo sobre Amor”, Bell Hooks expõe uma ideia intrigante. Ela diz que vivemos em uma era de desamor, logo, o ato de amar é revolucionário. O que ela escreve e o que veremos aqui é uma reflexão e reconstrução sobre nossos conceitos de amor e relacionamentos.

No senso comum, quando pensamos em amor, vem a ideia de um sentimento. Essa sensação que temos quando gostamos de alguém. As borboletas no estômago, as mãos suadas e a pessoa que não sai do pensamento. É um sentimento gostoso que todos queremos. É um sentimento que nascemos sabendo sentir. O amor é incondicional. O amor faz parte da gente. O amor está em tudo. Só o amor salva. Foi tudo isso que a gente aprendeu. Mas, será que é tudo isso mesmo?

É justo colocarmos toda essa carga no amor, já que vivemos em um mundo onde conhecemos muito sobre sofrimento e solidão. Procuramos por este lugar onde não sentiremos dor e tudo será bom. Este lugar chamamos de amor. E, nesta constante busca por prazer rápido, focamos num sentimento sempre erótico, exitante, transgressor e de satisfação imediata. Assim, pensar e estudar sobre o amor, torna-o menos interessante. Não conseguimos conceber a ideia que o amor verdadeiro requer tempo, ação e responsabilidade.

A gente acaba usando o amor de uma forma tão descuidada que pode significar quase nada ou absolutamente tudo. O amor, sendo essa coisa tão ampla, perdeu o significado. E é por isso que ela reflete sobre o conceito de amor, para que assim, algo nutritivo e com mais base possa ser construído.

O amor verdadeiro, o amor sob o olhar de Hooks ou simplesmente amor é a vontade de se empenhar ao máximo para promover o crescimento próprio ou de outra pessoa. Crescimento aqui num sentido amplo, seja profissional, financeiro, emocional, doméstico, relacional, etc. Este empenho vem apenas através do ato, é a nossa vontade de fazer e a ação em si. O amor é o que o amor faz. E, sendo uma vontade, também implica escolha. Nós não temos que amar. Escolhemos amar.

Seguindo no caminho de promover o crescimento pessoal nosso e do outro, precisamos entender que nessa estrada não há espaço para abusos e negligência. Amor e abuso não podem coexistir. Mas, um adendo, talvez você leia isso e se encontre nesse local, como alguém que por suas próprias razões trouxe dor e sofrimento para os seus relacionamentos. Está tudo bem, acontece. Mas, isso não te exime da culpa, você pode ter feito sem querer, porém deve se redimir e daqui para frente fazer melhor. 

Amor não é só fantasia e coisa boa. Também há um lado de sofrimento e dor nesse pacote. É difícil olhar por essa lente. Novamente, abuso não combina com amor, relações de poder não combinam com o amor. Mas, em uma relação amorosa, a gente pode sair machucado. Muitas vezes porque o outro fez algo que a gente não gosta ou não fez algo que a gente gosta. Ou porque o nosso não foi correspondido. Ou porque o amor acabou. Tudo isso pode doer. A prática do amor não oferece um lugar de segurança. Nós nos arriscamos a perder, a nos magoarmos, a sentir dor. Nós nos arriscamos a ser afetados por forças além do nosso controle. Mas, no amor há crescimento e isso deveria bastar.

Importante ressaltar que o amor não existe apenas em relações românticas. Também está, ou deveria estar, presente no nosso envolvimento com nós mesmos, com a família, os amigos e com qualquer outro que decidamos amar. 

Em matéria do amor, a família é a primeira escola. É com esse pequeno (ou grande) grupo que temos nossas primeiras lições e compreensões sobre o amor. Porém, dentro destes núcleos podemos conceber o amor de uma forma distorcida. Existe demonstração de poder e abuso nas famílias. Então, pensando no que Hooks trouxe, talvez em nossas próprias famílias, não fomos amados, mas apenas cuidados. Já que em muitos lares falta carinho, respeito e esforço para o processo de crescimento do outro, mesmo que exista teto e comida. Isso é cuidado, tem seu valor, mas não é amor.

O que foi, foi. É impossível voltar ao passado e tentar mudar a forma que fomos criados, a forma que nos ensinaram sobre o amor. O que cabe a nós é seguir em frente, desprender-se do que aconteceu e tentar aprender. O processo de encontrar amor dentro de nós, é também desapegar desta dor passada. Antes éramos pequenos e não tínhamos voz para expressar e explorar os desejos de nosso coração. Hoje, precisamos encontrar esta voz. 

É muito útil olhar para nosso passado para entendermos algumas coisas. Para identificar a origem de alguns pensamentos e comportamentos. Para compreender de onde vem o filtro que vemos a nós e ao mundo. Mas, esta investigação é só um passo do processo. Não dá para apenas ficar repetindo e se vitimizando. Novamente, o que foi, foi. Agora, o que será, pode ser várias coisas. Aprender com o passado é preciso, mas é no hoje que as coisas acontecem. Amar não é só sobre o nosso relacionamento com o outro, mas com nós mesmos. Lembre-se que amor é escolha. Então escolha você.

Amar não é uma tarefa simples, a maioria de nós, em algum ponto, tem problemas com isso. Parte de construir esta autoestima é reconhecer qual é o tipo de amor que a gente sonha ter do outro e praticar conosco. Muitas vezes, não temos certeza do que desejamos e colocamos a responsabilidade em alguém de ler nossa mente e nos amar corretamente. Tem o dito popular “se você não se ama, ninguém vai”. Faz todo o sentido.

O contraditório deste processo é que não conseguimos fazer sozinho, o amor-próprio não floresce no isolamento. Através da complexidade de nossos relacionamentos, que começamos a compreender os nossos pensamentos, sentimentos e crenças. Enxergando o outro, nos enxergamos. É essencial ter consciência desse “eu-falso” que criamos para viver em sociedade. Precisamos ser autênticos e espontâneos uns com os outros para que isso seja ecoado em nós.

Um exercício prático para conquistar esta consciência é fazer algumas perguntas básicas para nossos comportamentos e pensamentos. Quem, o quê, quando, onde e por quê. Responder a essas questões geralmente nos fornece um grau de consciência que nos ilumina. Desta forma,  podemos nos libertar do peso de termos sido silenciados ou obrigados a ser algo que não somos. 

Antes de concluir, gostaria de abordar este último tópico. Atualmente, as nossas relações amorosas estão afetadas por ordens de poder, especialmente aquelas que envolvem homens. Vivemos (infelizmente) em uma sociedade patriarcal. Nessa forma de dominação, fomos socializados a acreditar que todas as relações humanas têm um lado superior e outro inferior, que uma pessoa é forte e a outra é fraca. Sendo assim, é natural que o poderoso domine o que não tem poder. E, aqui, o homem precisa ocupar este local.

Acabamos criando um modelo masculino onde tudo vale para ser o melhor. As normas e leis só servem para fins pessoais. Temos esses exemplos nos filmes, na televisão e nas redes sociais. O homem de verdade se impõe e consegue o que quer. Ele é ativo e agressivo. É ele quem tem o controle. Qualquer modelo fora desse padrão não pode se encaixar como homem.

E, é aqui que mora o perigo. Homens se relacionam com outras pessoas, isso é um fato. Sendo criados sob essa perspectiva, certamente, vão levar isso para seus relacionamentos. Eles devem estar sempre sob controle. Precisam sempre estar no poder.

Meus caros colegas de gênero. Vamos parar com essa bobagem. Não é necessário controlar nada. Vamos rever o que nos foi ensinado e o que a gente pratica. As pessoas que nos amam, não merecem isso. A gente não merece isso. Sei que ouvir tudo isso pode não ser fácil e todo esse processo (de ser e mudar) também não é simples, porém quem somos e o que estamos fazendo, não está sendo bom para nós, para as pessoas e para o mundo. Vamos sempre lembrar que não existe amor no poder. Se permanecermos nessa posição, ficaremos para sempre sozinhos.

Por fim, duas dicas para nossos relacionamentos. Abandonar o egoísmo. É muito difícil para nós aprender a ouvir as necessidades uns dos outros. Se quisermos relações mais saudáveis, precisamos colocar os interesses de nossos pares em pé de igualdade com os nossos. E, principalmente, cultivar o perdão. Deixar de pensar que o outro é o responsável pelo nosso vazio. Isso só acontece quando aprendemos a ser responsáveis pelo nosso dar e encontrar amor próprio. Assim, em nossa escassez de amor, não culpamos ninguém e saberemos como suprir-o.

O amor não é simplesmente um sentimento, algo que vem e vai, algo passageiro. Amar é um ato. Hooks nos convida para compreender o amor como uma ética de vida, uma prática diária que precisa de compromisso, cuidado e ação constante. O amor é uma construção contínua que só ganha significado através do que a gente faz.

Finalizo com as palavras de Hooks “Amar alguém não é apenas um sentimento forte: é uma decisão, um julgamento, uma promessa. Se o amor fosse apenas um sentimento, não haveria base para a promessa de amar um ao outro para sempre. O sentimento vem e pode ir-se.”.

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