Entre Vazios e Intimidades

Nossos relacionamentos são coisas complexas e cheias de pormenores. Acredito que desde sempre refletimos sobre o que é se relacionar com alguém e como tornar isso algo mais saudável. Obviamente, que a psicologia também usa de relacionamentos como um objeto de estudo. Nesta perspectiva, trago hoje alguns pensamentos de Mario Jacoby, no livro “O encontro analítico”. Ele traz uma reflexão aprofundada sobre como nós nos relacionamos com os outros e com nós mesmos. 

O autor apresenta dois termos (sei que vão parecer um pouco confusos, mas vão fazer sentido): “Eu-Você” e “Eu-Isso”, são duas atitudes que tomamos ao nos relacionar. “Eu-Você” é sobre a conexão genuína com a totalidade do outro. Já, “Eu-Isso” é fazer do outro um objeto, onde depositamos nossas necessidades e desejos. 

A atitude “Eu-Você” faz com que olhemos para o outro e vejamos que ele é um ser humano, assim como nós. Entendemos suas qualidades e seus defeitos. Seus excessos e suas faltas. Sua luz e sua sombra. O outro é um indivíduo tanto quanto nós. Sei que talvez passe na cabeça “Eu vejo um ser humano no meu parceiro, na minha família e nos meus amigos”. Mas, o ponto é, provavelmente, você espera que este outro te complete e nessa expectativa, a atitude principal vai ser “Eu-Isso”. 

Na atitude “Eu-Isso”, o outro se torna um objeto para a gente utilizar para suprir nossas necessidades e faltas. A gente encara esse vazio e joga no outro a responsabilidade de preenchê-lo. E, aqui, surgem essas dependências e violências que vemos nos relacionamentos. Ou, porque o outro preenche minimamente este vazio e perder isso seria o apocalipse. Ou, porque o outro não supre nada e resta a violência para obrigá-lo a fazer. 

Nessa perspectiva, as relações tornam-se transações, onde os indivíduos são usados para preencher vazios emocionais ou satisfazer desejos momentâneos. E, mesmo que haja algum tipo de troca mútua (porque, sim, relacionamentos “Eu-Isso” podem ser benéficos para as partes), o vazio e a solidão ainda vão estar lá, pois não cabe ao outro preenchê-lo, mas a nós mesmos.

Ok, agora que entendemos melhor essas atitudes, como chegamos nesse relacionamento “Eu-Você”? Na teoria é fácil, mas a prática é outra história. Precisamos (e devemos) estar plenamente conscientes de nossos próprios limites, necessidades, padrões e projeções, pois, só assim podemos evitar jogar isso no outro. Neste processo precisamos entender e diferenciar quem é o “Eu” e quem é o “Você”. Isso requer uma jornada de autoconhecimento e aceitação (e sabemos que a terapia ajuda nisso). É um processo delicado e desafiador, mas fundamental para o crescimento pessoal e a intimidade genuína.

É necessário que consigamos entender nós e nossas necessidades e entender o outro e a sua realidade. E, de alguma forma, misturar essas duas coisas, onde todas as partes têm valor igual. Não há receita para isso, cada pessoa que nós nos relacionamos será diferente e a forma de construir esse relacionamento será única.  

A realidade dos relacionamentos humanos está longe de ser simples. Existem muitas distorções sobre o outro, sobre seus sentimentos e pensamentos, e muito disso acontece, pois não temos consciência dos nossos. Então, para um relacionamento feliz, não há receita mágica. Mas, parte do processo é conhecer a si e aceitar o sentimento do vazio, pois o outro não é obrigado, nem tem a capacidade de dizer quem você é e de preencher o que te falta.

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