O QUE EU APRENDI FICANDO QUASE CINCO MESES SEM REDES SOCIAIS?

O QUE EU APRENDI FICANDO QUASE CINCO MESES SEM REDES SOCIAIS?


Em resumo, nada. Nada “produtivo”, eu digo. Na verdade, eu aprendi coisas sim e gostaria de compartilhar com vocês.

Hoje, enquanto escrevo isso, faz quase cinco meses que não tenho mais aplicativos de rede sociais instalados. Não sinto vontade de voltar a tê-los no celular. 

Vamos entender como eu parei de usar minhas redes sociais. Eu nunca fui um usuário muito assíduo. Tem algumas que eu nunca usei porque nunca entendi o conceito, igual o falecido Twitter. Mas, até então, sempre usei o Instagram e o Facebook. Lá pelo segundo semestre de 2023, acabei tendo o Facebook hackeado e perdi o acesso. Não foi um problemão, pois já não me demorava tanto por lá. O Instagram continuava a todo vapor, eu usava principalmente no tédio e antes de dormir. O primeiro alerta foi o sono, eu sempre demorei para dormir, mas isso estava cada vez pior e eu acordava exausto. Naquela época, eu estava muito ansioso e estressado. Como profissional da saúde mental, senti que estava falhando comigo mesmo e não dando o exemplo, então decidi desinstalar o app.

  1. Me escutar e decidir o que devo fazer comigo e com as minhas coisas.

As primeiras semanas foram horríveis. Os momentos de tédio, aqueles que eu não tinha o que fazer, eu queria mexer meus dedinhos pela tela e fugir do meu desconforto. Mas qual desconforto? Essa foi a primeira coisa que aprendi. Eu estava angustiado com muitas coisas e não queria ouvi-las. Usar o celular era uma forma de silenciar estes pensamentos. Agora, sem as redes sociais, sou obrigado a me ouvir e me sentir desconfortável. E, como não sou besta, não quero me sentir desconfortável sempre, então me obrigo a fazer algo a respeito.

  1. As redes sociais fazem com que eu me compare com outras vidas.

No carnaval, estava em casa sozinho. Tirei o feriado para descansar. Em um dos dias, passei assistindo filmes. Lá pelo terceiro, já estava cansado e tive a brilhante ideia de baixar o Instagram de novo, para ver como estavam as coisas. Minha tentativa durou 15 minutos. As primeiras sequências de stories já me deixaram triste. Comecei a pensar “olha todo mundo que saiu e foi se divertir. E, estou aqui triste e sozinho”. Esse sentimento me afogou, mas consegui me salvar. Logo percebi como estava me comparando com outras vidas e que eu tinha escolhido estar ali daquela forma. E, mais que tudo, eu estava aproveitando meu carnaval da forma que eu gosto. Eu respondi apenas algumas mensagens de família e amigos próximos. E desinstalei o aplicativo.

  1. Meu sono pode melhorar.

Eu fui daqueles adolescentes que dormem horas a fio, sem despertador o mínimo era meio-dia. Mas, virei adulto e as coisas mudaram. Seja para ir trabalhar ou para ir a academia, meu corpo se acostumou a acordar cedo. Hoje, aos domingos e sem despertador, 9h, já estou de pé (sim, eu gostaria de dormir mais, porém não consigo).

Antes desse “detox”, eu estava exausto. Eu acordava com um peso sobre o corpo e passava o dia inteiro com sono. Obviamente, que nem sempre foi assim, mas quando eu me dei conta, já estava assim. Ficar cansado, me levou à ansiedade e ao estresse. Eu estava bem miserável (sim, eu estou exagerando para efeito dramático). No melhor estilo “pensamentos insônicos que levam a mudanças drásticas de vida”, acordei no dia seguinte e desinstalei.

A mudança foi imediata? Não, não foi. Demorou muito mais do que eu gostaria. Passei as semanas seguintes dormindo da mesma forma e me questionando se tinha feito a escolha certa. Os dias foram passando e a condição melhorando. Eu sempre fui e sempre serei uma pessoa que demora muito para dormir e de sono muito leve. Eu uso esses últimos minutos antes dos sonhos para pensar, planejar e fantasiar. O que mudou foi: eu consegui fazer destes momentos pré-adormecer muito mais prazerosos e dormir bem, ao ponto de acordar descansado e restaurado para enfrentar o dia.

  1.  Cultivar uma vida fora das redes.

Ler sempre fez parte da minha rotina. Comecei com uns 12 anos, meu primeiro livro foi Diario de um banana. Eu li em uma noite. Dali em diante, constantemente estava lendo. Tive épocas que lia mais e outras menos. Mas sempre li. Desde que eu saí do Instagram, li 9 livros.

(algo importante a se acrescentar, ler não tem faz melhor ou mais inteligente. Eu não vou cultivar esse tipo de ideia e sugiro que você faça o mesmo. A vida não é uma corrida e muito menos uma escalada, onde quanto mais esforço, mais longe você irá chegar. Nós somos seres humanos e o nosso estado de ser é muito complexo para se encaixar dentro de uma régua)

Eu tenho também o hobby de escrever. Surgiu a poucos anos, na época da faculdade. Comecei com alguns poemas e hoje tenho alguns contos de autoria própria. Dois deles só aconteceram porque estava no tédio e queria fazer algo com meus pensamentos.

Eu já havia escrito poesia e contos, e lido alguns livros usando as redes sociais, mas a ausência delas fez com que estas atividades fossem mais recorrentes. Eu me sinto muito mais completo. É como se tivesse trocado um fast food por um prato de arroz e feijão. O hambúrguer pode até ser mais gostoso e de fácil digestão, mas eu me sinto vazio depois.

E como aqui é um lugar contra esse discurso capitalista e maléfico da ultra velocidade, produtividade e processamento, vou dizer sobre o que eu li durante esse tempo. Algumas das obras são: um romance lésbico e adolescente, um romance inspirado num desenho animado e quadrinhos. Leia porque você gosta, não porque um coaching disse que sem isso você fica pobre. 

  1. Ter mais autocontrole.

Recentemente, estava conversando com um amigo. Estávamos falando justamente do tempo gasto no celular. Ele me mostrou algo que me chocou. Eu, mesmo não usando mais o Instagram ou qualquer outra rede social, continuava um usuário do Youtube, seja nos shorts ou nos vídeos longos. Eu gastava muito tempo lá. Meu amigo mostrou um gráfico dentro do próprio aplicativo de quanto tempo usamos durante a última semana. O meu uso foi de impressionantes 25h semanais. Eu fiquei abismado. Numa conta rápida 25h/semana x 50 semanas no ano = 50 dias. Nesse ritmo eu ficaria quase 2 meses do ano só assistindo a vídeos. Usei uma ferramenta do celular “Controle de Bem-estar” para limitar o uso do app para 1h30 por dia. Ainda não é o ideal, mas o estrago não é tão grande.


Agora uma parte teórica para dar credibilidade ao meu trabalho (eu também leio coisas mais formais e acadêmicas, tá? vou dar esse pouquinho de crédito para mim).

Dopamina:

Provavelmente, você já se deparou com essa palavra na internet. Mas já tentaram minimamente te explicar o que é? Basicamente, dopamina é um neurotransmissor, ou melhor, uma substância dentro dos neurônios (que é por onde o cérebro faz suas comunicações elétricas) que envia informações. Essa, em específico, está relacionado com recompensa. Não, necessariamente, quando recebemos algo, mas, majoritariamente, quando antecipamos algo que vamos receber. Essa dopamina não age quando vemos um vídeo que gostamos, mas na nossa expectativa que na próxima rolagem veremos algo legal. Ficou claro?

E, a título de curiosidade, a dopamina também está relacionada com o controle de nossos movimentos, com aprendizado, humor, emoções, cognição e memória. Sua função não é isolada. Como tudo no cérebro, funciona em conjunto com outras diversas partes para outras diversas funções.

FoMO - Medo de ficar de fora:

Surgiu esse novo termo dentro do ecossistema virtual. Em tradução livre, é o sentimento de ficar de fora dos conteúdos online. Vamos entender um pouquinho mais.

Nós, como seres humanos, sempre tivemos a necessidade de nos comunicarmos. Seja para alimentação, segurança e emoções. Mas, perceba como a internet extrapolou esse comportamento. Antes estávamos acostumados a conversar com nossa pequena comunidade. Cinquenta pessoas, chutando alto. Hoje é diferente, você pode falar com o mundo se quiser, a internet conecta a todos nós. Sete bilhões de pessoas, chutando baixo.

A cereja do bolo é a velocidade dessa troca de informações. É instantânea. Todos estão consumindo e produzindo conteúdo o tempo todo.

É nesse contexto que surge o FoMO. Esse amontoado de sentimentos persistentes e negativos ao usar a internet e as redes sociais. São vários sentimentos envolvidos: acreditar que o outro tem uma vida melhor e mais satisfatória que a sua; a necessidade de constantemente saber o que está sendo compartilhado; a ansiedade quando vê outros fazendo coisas fora das redes sociais e querer participar; a tristeza quando perde alguma fofoca ou evento; o uso excessivo do celular; o saber e consumir tudo que amigos e influencers estão postando; gastar mais tempo na vida virtual do que na vida real. Resumindo, é o medo de não estar 100% na internet e perder 1 segundo de conteúdo.

Talvez, este medo venha da incapacidade de ter satisfação em suas necessidades. Ou, de um lugar de competitividade e inveja, para agourar se o outro tem mais que você e comemorar se tem menos. Também de uma curiosidade natural. E a necessidade de se sentir parte de algo. O anseio em alcançar sentimentos que são mais custosos e demorados na vida real. É o sentimento de incompletude. 

O meio também tem culpa. As empresas fazem de tudo para nos manter em seus aplicativos, nossas redes de contato são maiores agora devido a internet e, principalmente, a obrigação social de saber de tudo, se não, você é burro e alienado. A gente não pode mudar o meio, mas pode mudar a gente.

E o que o FoMO pode causar nas pessoas? 

- Sono irregular e, consequentemente, cansaço durante o dia. É pelo ficar pensando no que foi e no que está sendo postado. É por ficar matutando se os outros estão curtindo a noite, enquanto você está indo dormir. E também por ir para cama tarde e ainda ficar enrolando para desligar o celular.

- Postergar compromissos e responsabilidades. Afinal, é muito melhor ficar pela internet do que fazer o que precisa ser feito.

E o que fazer para evitar tudo isso? Um dos sentimentos mais provenientes deste processo é a tristeza, então é recomendado começar a preencher a vida com atividades prazerosas e offline. Ir ao cinema, sair com os amigos, fazer pintura, passear com o cachorro, jantar com a família. Seja criativo. As redes sociais vão fazer com que você ache que sua vida é chata. Reduzir o tempo de tela, vai diminuir a comparação. Mas é preciso que você faça coisas que te animem e mostre que a sua vida vale muito. Manter um diário pode ajudar nesse processo. Escrever sobre as partes boas da vida, sobre o que você fez e está fazendo, sobre planos e metas para o futuro. Também relatar sentimentos e sensações, sejam os positivos e os negativos, pois todos temos os dois lados.


Enfim, foram essas coisas que aprendi e estou aprendendo nesse pequeno experimento. De maneira alguma, quero sugerir que você desinstale suas redes sociais. Elas não são as vilãs, nós só precisamos usá-las com mais consciência. E esse é meu intuito, trazer um pouquinho de pensamento crítico e organizado para vocês.

Só você sabe o que é bom e ruim para você. E, se quiser ajuda com isso, marque uma sessão.


Viva sua vida fora da internet, descubra o que te faz bem e o que faz sentido para você.


Links que usei na pesquisa:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Dopamina

http://www.cappsy.org/archives/vol14/no1/cap_14_01_09_en.pdf


Viva uma vida mais lenta.


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